DUMITRU DAN // Caminheiro, geógrafo, professor // Buhuși, 1890 – Buzău, 1978 //
Tal como a de Phileas Fogg, também esta viagem começou com um desafio e um prémio chorudo. Porém, ao invés da personagem de Júlio Verne, Dumitru Dan partiu sem pressas nem prazos inatingíveis.
Em 1908, o Touring Club de France lançou um concurso: daria 100 mil francos (hoje equivalentes a 500 mil euros) a quem percorresse outros tantos quilómetros a pé. Entre as duas centenas de inscritos estavam quatro romenos, estudantes em Paris. Dumitru e Paul Pârvu, que cursavam Geografia, e Gheorghe Negreanu e Alexandru Pascu, alunos de conservatório.
Os quatro romenos percorreram seis continentes, ziguezagueando de modo a fintar os rigores invernais e outras complicações. Pelo caminho, foram presos várias vezes, foram roubados, mas também tiveram recepções dignas de heróis.
A viagem foi antecedida por dois anos de preparação. Além do treino físico e do estudo de línguas, os quatro dedicaram-se a aprender músicas e danças tradicionais do seu país, e esse viria a ser o sustento da viagem. Por onde passavam, davam espectáculos de folclore e com o cachet se mantinham em movimento.
Mais do que apenas atravessar todas as latitudes do globo, Dumitru Dan e companhia percorreram seis continentes, ziguezagueando de modo a fintar os rigores invernais e outras complicações. Pelo caminho, foram presos várias vezes, foram roubados, mas também tiveram recepções dignas de heróis.

Dumitru, Paul, Gheorghe e Alexandru puseram pés ao caminho a 1 de Abril de 1910, em Bucareste. Começaram pelo Norte da Europa, depois Rússia, Médio Oriente e cumpriram a «contracosta» de África até Moçambique. De Madagáscar seguiram para a Austrália de barco, mas não pararam de andar. Nos dias embarcados, passavam sempre 10 a 12 horas caminhando pelo convés. Seguir-se-iam Nova Zelândia, Sri Lanka e Índia, onde Alexandru morreu de overdose de ópio.
Regressaram a África. Foram do Cabo da Boa Esperança ao Senegal, e em Tenerife iniciaram a travessia até ao Brasil. Percorreram a América do Sul e, já no Panamá, apanharam o barco para o Japão, depois Cantão e rumaram a Pequim. Nas montanhas de Nan Ling, sofreram a segunda baixa: Gheorghe cai num precipício e não resiste aos ferimentos.
Dumitru Dan não só cumpriu os 100 mil quilómetros de caminho a que se propôs como deu praticamente duas voltas ao mundo ao fazê-lo, feito até então inédito.
Reduzidos a dois, os caminheiros apontam ao norte do Norte. Contornam a costa siberiana e, pelo Estreito de Bering, alcançam o Alasca, daí descendo até à América Central. Voltam de barco à Europa, com um desvio pelo Magrebe. Sobem depois da Sicília até Edimburgo, e conseguem passagens num paquete com destino ao Canadá. Andando para sul, atingem a Flórida, onde Paul, com sérias mazelas causadas pela travessia da Sibéria, desiste da empreitada. Dumitru, mesmo só, não se deixou derrotar. Palmilhou Cuba, Haiti, Jamaica. Na Venezuela, apanha um transatlântico que o deixa em Lisboa. Por Espanha, segue até Marselha e embarca para Salónica.
A 29 de Março de 1916, ei-lo de novo em Bucareste. Faltam 4 mil quilómetros, coisa pouca, mas tem de esperar. Em 1923, com a Europa recuperada da I Guerra Mundial, lança-se à «recta final»: Jugoslávia, Itália, Suíça e, por fim, França. Chega a Paris a 20 de Julho, quase 16 anos após a partida. Não ganhou para o estrago – com a inflação, o prémio já não valia nem um décimo. Mas ficou para a História. E com histórias para contar. Que histórias.
Artigo originalmente publicado na edição de Janeiro de 2016 da revista Volta ao Mundo.
[Ilustrado com montagens Grémio Geográphico sobre imagens de direitos reservados, obtidas aqui e aqui.]