antónio raposo tavares// Bandeirante // Mértola, 1598 – São Paulo, 1598 //
A história parece apontar sempre para o mar. Falar sobre os grandes exploradores portugueses dos séculos XV a XVII traz sempre à conversa barcas, naus ou caravelas. Acontece, porém, que também se fez história de pés assentes em terra firme.
António Raposo Tavares, alentejano de Mértola, tinha 20 anos quando atravessou o Atlântico rumo ao Brasil, a acompanhar Fernão Vieira Tavares, seu pai, nomeado governador da capitania de São Vicente. Para trás ficara a madrasta, cristã-nova, presa pela Inquisição sob acusação de judaísmo – detalhe importante no que se viria a seguir.
Em 1622, fixou-se em São Paulo, onde foi feito capitão de ordenança – e de onde terá partido, cinco anos mais tarde, na sua primeira expedição ao interior do território. Nessas viagens de reconhecimento, chamadas «bandeiras», importava não só bater terreno como também, e sobretudo, a captura de índios (leia-se, escravização) e a busca de metais preciosos. Mas havia outra motivação: expulsar os jesuítas espanhóis que se foram instalando em zonas fronteiriças, uma ameaça iminente de ocupação castelhana.
Raposo Tavares comandou a sua primeira bandeira em 1628, onde nasceu a sua fama de matador de padres. Ao exterminar os jesuítas, não só repelia a ameaça de ocupação espanhola do território como dava lume a um velho ressentimento que trazia de Portugal.
Foi com essa missão que Raposo Tavares comandou a sua primeira bandeira em 1628, rumo ao Guairá (hoje parte do Paraguai). Começava aí a sua fama de matador de padres, apodo do qual o próprio se distanciou, justificando-se, em carta, com a autoridade moral que lhe «davam os livros de Moisés». Esta passagem, vista como assunção de judaísmo, confirma um ressentimento para com a igreja que já se adivinhava – para mais, sabendo-se que a Companhia de Jesus era comissária da Inquisição na América.
De regresso a São Paulo, em 1633 foi nomeado juiz e, pouco depois, ouvidor da capitania. Nesse mesmo ano, participou na violenta expulsão dos jesuítas de um aldeamento vizinho, o que lhe valeu a excomunhão. Coisa que não o demoveu: em 1636 e 1637, três bandeiras à província dos Tape (atual Rio Grande do Sul) arrasam mais umas quantas reduções dos religiosos.
A maior odisseia da expansão terrestre de Portugal durou quatro anos. De um contingente inicial de 1200 homens, regressaram apenas 58, comandados por um Raposo Tavares tão desfigurado que nem a família o reconheceu.
Entretanto, dá-se o ataque holandês a Baía, e Raposo Tavares integra a armada (e o lote de sobreviventes) de uma frustrada tentativa de repelir o invasor. Em 1642, regressa ao reino, onde recebe a missão mais importante da sua carreira, que viria a ficar conhecida como Bandeira dos Limites.
Com a incumbência de encontrar metais preciosos, novos sertões e rios que unissem o Sul paraguaio ao Norte amazónico – e, de caminho, o ocasional ataque a reduções jesuítas do Itatim (Mato Grosso) e cidades espanholas –, Raposo Tavares parte de São Paulo em 1647, com um contingente de 1200 homens. Descem o rio Tietê até ao rio Paraná, atacam as principais missões jesuítas de Itatim, e alcançam o rio Paraguai, seguindo depois até às faldas orientais dos Andes. Exploram a fundo a região entre as cidades de Potosí e Santa Cruz de la Sierra (atual Bolívia), e, em meados de 1650, encetam a etapa final da expedição, seguindo os rios Mamoré, Madeira e, por fim, o Amazonas, já reduzidos a poucas dezenas de homens, esfarrapados e exaustos.
Em Fevereiro de 1651, Raposo Tavares chega a Gurupá, na foz do Amazonas, com apenas 58 homens a seu mando e de tal forma desfigurado que nem a família o reconhece. Terminava, então, aquela que é considerada a primeira viagem de reconhecimento geográfico no Brasil, com mais de 10 mil quilómetros percorridos entre pântanos, rios caprichosos, cobras e insectos, floresta densa e tribos hostis. Metais preciosos, nem vê-los. Mas a Coroa acabou por lucrar não só a expulsão dos jesuítas espanhóis como os territórios de Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso, bem para lá da linha de Tordesilhas. Para a história, ficou a maior odisseia da expansão terrestre de Portugal.
Artigo originalmente publicado na edição de Julho de 2016 da revista Volta ao Mundo, actualizado em Janeiro de 2020.