// David Melgueiro // Navegador // (Porto, ? – Porto, 1673?) //
Willem Barentsz tentou três vezes e morreu a tentar. Vitus Bering também se aventurou e de igual modo ficou pelo caminho. O primeiro tem um mar baptizado em sua honra. E o outro ficou com o nome perpetuado no estreito que separa a Ásia da América. A David Melgueiro restou-lhe, a título de homenagem, uma rua secundária em Lisboa. Quando ele, segundo consta, tentou e conseguiu: em 1660, terá cruzado o oceano Árctico pela Passagem Nordeste, feito inédito por esses tempos.
A primeira travessia documentada da rota que liga o Norte da Europa ao Pacífico foi feita pelo nórdico Adolf Nordeskiöld, em 1879. Sublinhe-se o pormenor «documentada»: é que sobre a viagem de Melgueiro (aliás, sobre o próprio) pouco se sabe. Aquilo que hoje circula foi transmitido por um marinheiro de Le Havre que o acompanhou até à sua morte. Este terá contado a aventura ao diplomata francês Signeur de la Madelène, estacionado no Porto com o objectivo de espiar os avanços náuticos portugueses. E o diplomata terá sido assassinado quando regressava a França para entregar as novidades em mão.
É certo que tudo tresanda a teoria da conspiração, mas a história apresenta detalhes de plausibilidade, nomeadamente o secretismo que envolvia qualquer nova descoberta e o facto de se ter tratado de um ano anormalmente quente no Árctico.
Sobre a viagem de Melgueiro (aliás, sobre o próprio) pouco se sabe. Aquilo que hoje circula foi transmitido por um marinheiro de Le Havre que o acompanhou até à sua morte
Diz a história (ou a lenda) que o capitão Melgueiro, ao serviço da marinha holandesa, terá saído do porto japonês de Kagoshima, ao comando do navio Padre Eterno, carregado de especiarias, riquezas e passageiros. Ciente dos perigos que representavam os mares do Sul, infestados de piratas e armadas inimigas, o português terá voltado costas à Rota do Cabo e arriscado a navegação pelos mares nunca dantes navegados do Norte.
Após a travessia do estreito de Bering, terá avistado as ilhas Svalbard e daí descido rumo ao Atlântico. Fez escala na Holanda e, já noutro navio, seguiu para Portugal, tendo concluído a viagem no Porto, sua cidade natal e última morada. Um homem do Norte, só podia.
Artigo originalmente publicado na edição de setembro de 2015 da revista Volta ao Mundo